quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Justiça proíbe que médicos se demitam em Caruaru (PE)

Após quase 50% dos médicos de Caruaru (130 km de Recife) entregarem seus cargos ao governo municipal, o juiz da Vara Fazendária da cidade, José Fernando Santos de Souza, concedeu uma liminar, a pedido do Ministério Público do Estado, proibindo a prefeitura de aceitar as demissões.
Noventa médicos do município entregaram seus cargos no final de agosto deste ano depois de cinco meses de tentativas frustradas para se chegar a um acordo salarial com a Prefeitura de Caruaru.
A decisão da Justiça, que foi dada no último dia 29, mas tornou-se pública apenas no sábado (3), determina que os médicos voltem ao trabalho sob pena de pagarem multa de RS 10 mil por cada dia não trabalhado e responderem a processo criminal por omissão de socorro e desobediência. Segundo o Simepe (Sindicato dos Médicos de Pernambuco), os profissionais entregaram cartas individuais com o pedido de demissão no final de agosto e cumpriram o aviso-prévio de 30 dias.

No último sábado, os jornais da cidade publicaram a decisão judicial na íntegra e a lista com 78 médicos que, segundo a Justiça, "ficam intimados para que cumpram decisão liminar com o fim de manter a prestação de serviços de atendimento de urgência e emergências dos hospitais, policlínicas, unidade de saúde e Samu".

O juiz alega que a liminar pretende "impedir os males corrosivos" da demissão dos médicos na cidade. "Pode haver danos irreparáveis, inclusive risco de morte", diz Souza em trecho da decisão, alegando que a medida valerá até a prefeitura contratar substitutos. A liminar não estipula prazo ou punição ao município em caso de não-contratação de profissionais.

Ainda segundo o magistrado, a participação dos médicos no processo é necessária, já que "a saúde e consequente tratamento são matéria de interesse manifestadamente público e que quem assume a prestação tem a obrigação de atentar para essa condição pública do atendimento".

Especialista em causas trabalhistas, o advogado Paulo Romero afirma que nunca viu uma decisão judicial obrigar um trabalhador já demitido a voltar ao trabalho - ainda mais sob pena de multa individual diária. 

"Essa decisão me parece absurda, pois não há lei que obrige um trabalhador já desligado a trabalhar. Todos têm direito a pedir demissão indireta. Mesmo em casos de greve, sempre que ela é julgada ilegal o juiz determina a volta ao trabalho sob pena de ter o ponto cortado. A ameaça de multa é sempre contra o sindicato, não contra o servidor", explicou.

Segundo Romero, a decisão deve ser reformada rapidamente pelo TJ. "Com certeza ela será revista pelos desembargadores. Por serem estatutários, a causa não foi analisada por um juiz do trabalho, e sim fazendário. Se fosse da Justiça do Trabalho duvido que um magistrado desse uma decisão dessas. Não tem sentido", afirmou o advogado consultado pelo UOL Notícias.

Sindicato diz que é "trabalho escravo"
Para o Simepe, a decisão do juiz do município impõe uma "escravatura mal remunerada". O presidente do sindicato, Antônio Jordão, afirma que recorreu à Câmara de Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado nesta segunda-feira (5) para derrubar a liminar.

Jordão não descarta levar a decisão para ser analisada pelos conselhos nacionais. "É uma decisão absurda que vamos recorrer a todas as instâncias se preciso. Vamos levar à corregedoria do Ministério Público e do TJ, e podemos levar também ao CNJ [Conselho Nacional de Justiça] e CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público]. Não há histórico de nenhuma decisão nesse sentido no país, que extrapola o sentido da lei", argumentou.

Para o presidente do Simepe, os médicos se demitiram cumprindo todos os critérios da lei. "Você não pode obrigar quem já se desligou a trabalhar. Além do mais, a prefeitura disse que tinha se organizado para suprir essas carências. O que a Justiça fez foi criar uma situação de trabalho forçado, ou seja, trabalho escravo", afirmou Jordão. 

Um dos médicos que já recebeu a intimação judicial para voltar ao trabalho foi o regulador do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), Paulo Maciel. "Trabalhei constrangido, pois eu pedi demissão e cumpri o meu aviso-prévio. Se trabalhar 'na marra' é ruim, imagine sem condições. O Samu regula aqui uma população de 1,1 milhão de habitantes, e pelo Ministério da Saúde deve haver um médico para pelo menos 350 mil. Eu estava só", afirmou. 

Maciel ainda alega que as demissões dos médicos agravaram a carência profissional nas unidades de saúde da cidade. "Neste fim de semana as unidades de saúde estavam somente com um clínico. Tivemos que revezar com o hospital do Estado. Estão brincando com a saúde da população de Caruaru", criticou. 

A decisão do juiz também afetou os profissionais que tinham conseguido outro emprego. "Já estava acertado para dar plantão no Hospital Regional do Agreste a partir deste domingo (4), mas fui intimado e tive que trabalhar para o município. Pior: trabalho desde abril e nem contrato assinado tenho. Depois dessa palhaçada, não tenho mais clima para retornar à prefeitura. A intimação chegou na frente da minha família, como se eu fosse um bandido", afirmou o cirurguão Kleiton Cardozo.

Município reconhece problemas
A Secretaria de Saúde de Caruaru reconhece que os médicos entregaram as cartas com intenção de demissão há mais de um mês e que o município está com dificuldades para manter os serviços essenciais. "Estamos contando com a Polícia Militar, que está enviando médicos diariamente para manter a regulação do Samu. A gente tem encontrado dificuldades, mas um dos maiores problemas está em contratar médicos, já que a Federação Nacional divulgou nota aconselhando os médicos a não trabalharem em Caruaru", explicou Pedro Melo, gerente do Departamento de Atenção e Promoção à Saúde de Caruaru. 

Ainda segundo ele, o prefeito José Queiroz (PDT) assegurou que os pedidos de demissão seriam aceitos pelo município e que não era intenção do governo obrigar médicos a trabalhar sem interesse. "Já contratamos 23 novos médicos desde o início do movimento. Ninguém gosta de ver um profissional trabalhar sem vontade, e esse era o entendimento", disse.

Segundo ele, foi feito um apelo aos médicos para que não se demitissem agora e esperassem até o início do próximo ano para avançar nas negociações. "Já concedemos um aumento de 148% no salário-base. Saltamos de R$ 922 para R$ 2.290. Mas o sindicato quer R$ 3.060. A prefeitura não pode conceder por conta da queda do FPM [Fundo de Participação dos Municípios]", contou. 

O Simepe afirma que o aumento no salário-base não atende aos interesses da categoria, já que boa parte dos vencimentos seria composto por gratificações. Além disso, o sindicato alega que outros municípios do Estado teriam aceitado pagar o piso pedido pelos médicos em Caruaru.

Fonte: Uol notícias

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